Por Betita Valentim
2020, o ano que revirou nossas vidas de cabeça para baixo. Na minha foi assim, um solavanco, um despertar repentino para muitas coisas. Acho que a primeira delas foi ter me dado conta de que tudo pode, sim, mudar da noite para o dia, que as certezas que temos são apenas uma ilusão. Uma construção da modernidade para conseguirmos lidar com a frustração de que a gente, de fato, não está no controle das coisas, das pessoas, da natureza, enfim, da nossa própria vida. Nas minhas leituras pelo universo digital – pesquisa aqui e acha milhares de outras coisas acolá – li um conceito que me chamou muita atenção, o do mundo VUCA, que fala sobre a aceleração das mudanças que vivenciamos na sociedade atual – aliás, já há um bom tempo – e que se intensificam a cada dia, mas que a partir de 2020 parecem ter entrado no modo acelerado de vez, sem aviso prévio e aparentemente sem nenhuma chance de diminuição de marcha.
Acho que esta sigla V.U.C.A traz muitos dos sentimentos que estamos vivenciando hoje. Sentimentos complexos, de incertezas, de ambiguidades e a percepção de que vivemos numa sociedade volátil, líquida, e que vai aos poucos escorregando pelas nossas mãos (ver também Modernidade Líquida – Zygmunt Bauman).
Claro, há vários outros emaranhados de sentimentos remexendo aqui dentro e todos eles juntos me fizeram – e me fazem – parar para refletir sobre o processo de aprendizagem. Sobre como aprendemos ao longo da vida e o que queremos e buscamos durante essa jornada. Como mães, pais, educadoras e educadores, filhas e filhos, avós, como humanidade.
Quando me pergunto “o que é aprender?” logo me vem outra indagação na cabeça: o que é Educação? Como se um conceito não pudesse se dissociar do outro, sabe? Paulo Freire já dizia que não existe ensino sem aprendizagem. Para ele, educar é um processo de construção de diálogos, de trocas constantes de papéis, a educadora ou o educador aprende quando ensina e vice-versa.
“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.” – Pedagogia do Oprimido. 9 ed., Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra. 1981, p.79“
Já para Piaget, principal representante da Psicologia da Aprendizagem, a Educação deve proporcionar às crianças um desenvolvimento amplo e dinâmico, para que elas possam construir conhecimentos como resultado de uma interação ativa, compreendendo o mundo ao seu redor e buscando soluções para as questões que o mundo apresenta. E quais são essas questões? Como podemos despertar o interesse das crianças – e o nosso – para a constante busca dessas soluções? Não são perguntas simples, verdade. Muito menos temos respostas prontas. Mas a gente pode começar resgatando a nossa própria infância, buscando aquela criança que ainda nos habita para despertamos, de novo, a curiosidade típica de quem vê o mundo como algo desconhecido, inexplorado. Precisamos desconhecer as coisas para reaprendê-las.
Adoro um trecho de uma entrevista de Rubem Alves, em que ele fala poeticamente que o objetivo da Educação é criar a alegria do pensar, é despertar nas crianças essa curiosidade. Acho que esse despertar é fundamental em todas as idades, em todas as áreas de atuação, pois a curiosidade é a essência da nossa aprendizagem para a vida toda. Quando paramos de ter “espantos” – palavra usada por Rubem Alves – paramos de perceber a humanidade ao nosso redor, paramos de exercitar nossa criatividade, perdemos o sentido da vida, pois ficamos inertes, em estado de estagnação, apenas sendo levadas ou levados pela maré.
Ora a maré é agradável, ora ela vira tormenta e precisamos nos reinventar para o barco não afundar.
Nas minhas pesquisas sobre a importância da curiosidade, achei um texto que fala sobre um estudo realizado na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, em que foram realizados vários experimentos e descobriu-se que quando a curiosidade é despertada, ela prepara o cérebro para a aprendizagem e, com isso, o cérebro consegue aprender e reter qualquer tipo de informação, motivando o aprendizado.
Acho que durante o ano de 2020 aprendemos muitas coisas. Aprendemos a sobreviver, aprendemos a inventar e a reinventar coisas, formas e processos para tocar nossas vidas da maneira que nos foi possível. Aprendemos a usar a tecnologia como uma ferramenta poderosa e essencial para trabalhar e socializar à distância, aprendemos a transformar nossas casas em espaços de educação, de sala de aula, de experimentação. Experimentamos muitas coisas diferentes, sentimentos, atitudes, habilidades. Viver este ano foi uma experiência de aprendizagem constante.
E pensando sobre todas essas formas de aprendizagem, também podemos refletir sobre tudo isso que estamos vivendo a partir dos Quatro Pilares da Educação, fundamentos da Educação baseados no relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, da Unesco. Aprender a conhecer (adquirir instrumentos de compreensão), aprender a fazer (para poder agir sobre o meio envolvente), aprender a viver juntos (cooperação com os outros em todas as atividades humanas), e finalmente aprender a ser (conceito principal que integra todos os anteriores).
Esses pilares, aliados ao conceito da Aprendizagem Criativa, são o que tento trazer para a minha própria vida. Mitchel Resnick, do MIT Media Lab, propõe levarmos a experiência do jardim da infância para toda a escola e para o resto das nossas vidas – este é o conceito do Lifelong Learning ou Aprendizagem para a vida toda. Para isso, Resnick apresenta os 4P das Aprendizagem: procure trabalhar e desenvolver Projetos, na sua casa, no seu trabalho, com estudantes na escola. Trabalhando com projetos podemos passear pelo espiral da criatividade (imaginar, criar, brincar, compartilhar e refletir) ou pelo ciclo da invenção (inspiração, ideação, prototipação, teste e compartilhamento). Para desenvolver um projeto, busque algo que desperte a sua Paixão, o seu brilho nos olhos, a sua curiosidade. Depois, procure seus Pares, pessoas que compartilham dos seus sonhos e que tenham habilidades diferentes das suas para somar mais. E, por fim, Pense Brincando, se divirta, experimente coisas diferentes, caminhos diferentes, soluções diferentes. Quando brincamos soltamos nossa imaginação e a nossa criatividade volta a encher os nossos dias de novas possibilidades, invenções e descobertas. Para mim, esse é um maravilhoso caminho para aprender. E para vocês?
Betita Valentim • Cofundadora e Coordenadora de Educação Maker do Fab Lab Rec
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